segunda-feira, abril 28, 2008

O cabeleireiro de Paulo Bento


Vou ao mesmo cabeleireiro há vinte anos. Tudo começou numa tarde de Junho de 1988, quando a conselho de um colega e vizinho decidi meter os meus cabelos pela primeira vez nas mãos de um profissional. O objectivo dessa primeira incursão era simples. Andara um ano inteiro a tentar domar o cabelo com gel. Sem sucesso. Acreditava que ter um bom penteado era meio caminho andado para se ter sucesso com as raparigas. E no dia seguinte havia a excursão de final de ano lectivo. Eram razões mais do suficientes para dar o passo de começar a ir a um cabeleireiro.
Até esse dia, nunca tivera o cabelo cortado por um profissional. E depois disso, nunca mais deixei de ter. E também nunca mais fui a outro salão. A capacidade de um homem ser fiel vê-se por duas coisas... O amor ao seu clube e a constância no seu cabeleireiro.
Para um puto de 14 anos, entrar num salão de cabeleireiro de bairro e dizer a um velho barbeiro como é que queria a sua melena penteada era, na altura, um acto de coragem e também um assumir de independência...
Só um ano antes é que eu tinha conseguido finalmente libertar-me desse jugo terrível de ser a minha mãe a escolher a minha roupa... Este era sem dúvida o passo seguinte, ser eu a mandar no meu visual.
Durante o ano e meio seguinte, cortei o cabelo religiosamente naquele salão, uma vez por mês. Era mais ou menos esse o tempo que levava a que o meu penteado à la Morrissey deixasse de ser controlável, graças a umas hormonas em permanente explosão e a uma característica genética, a de ter caracóis, que me arruinavam em poucos dias, o fino corte com que me brindavam sempre os profissionais.
As idas ao cabeleireiro eram sempre um projecto. Acordava de manhã já a pensar nisso. Sempre com o medo que dessa vez o cabeleireiro estivesse menos inspirado e me arruinasse o estilo capilar, sempre com receio que fosse essa a vez em que ele me cortaria uma orelha com a navalha, ou pior me contaminaria com uma doença incurável!
Justiça seja feita, nunca tal aconteceu. E quando eu comecei a lá ir, as navalhas ainda não eram descartáveis...
Enquanto andava na escola secundária, programava as idas ao cabeleireiro nos furos do horário. O efeito era risível e tinha o condão de me pôr na boca do mundo pelas piores razões... Não cabe na cabeça de ninguém chegar com um penteado à escola às oito da manhã e às dez apresentar outro, cheio de laca e acabado de secar. Mas era o final dos anos oitenta e os Sétima Legião eram o que estava a dar... Ou seja, as pessoas olhavam para as excentricidades de uma maneira diferente.
Um dia, já andava na faculdade, vi surgir um rapaz à porta do cabeleireiro. Era entroncado, e não muito alto e a cara dele não me era estranha. Descobri mais tarde que o vira por ali algumas vezes, porque o pai tinha uma loja na mesma rua. O rapaz estava na altura a trabalhar em Guimarães, mas tinha vindo a Lisboa, em trabalho, e tinha ficado, para ir ao cabeleireiro. Nos anos seguintes vi-o várias vezes. Acabou por vir trabalhar para Lisboa, depois esteve em Espanha, mas acabava sempre por ir ali cortar o cabelo. Outro, que como eu, se mantinha fiel.
Há uns tempos, a escolha de estilo capilar desse rapaz, hoje já um homem, foi tema de muitas crónicas, de muitos textos de humor e do gozo de uma nação inteira. Era natural, o rapaz estava a trabalhar em Lisboa, numa empresa com mais de 100 anos e estava a ter sucesso. E as pessoas não perdoam quem tem sucesso e risco ao meio.
Não foi isso que fez o rapaz mudar de estilo capilar... E tive hoje a prova... Mudar de cabeleireiro. É também por isso que eu gosto dele, porque se mantém fiel aos seus princípios.
Os grandes homens têm sempre uma ligação com o seu cabeleireiro. É com ele que conversam e muitas vez é a ele que contam as suas mágoas. Quando partilhamos o cabeleireiro de um grande homem, partilhamos desse momento único de estar perto de uma estrela.
O meu cabeleireiro é o cabeleireiro do Paulo Bento... E eu já lá não vou há mais de seis meses.

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